G.S
Carol Beck
Faz uma semana que estou aqui nesse deserto; estou com um tiro na
cabeça. Durante esse tempo, vejo esses animais vindo e bicando da minha carne e
dos meus órgãos. Eles chegam, dão voltas, brigam entre si para ver quem vai
pegar o maior pedaço. Sinto as picadas, fazem cócegas às vezes; não têm nenhum
escrúpulo de chegar num corpo que já começa a apodrecer, os líquidos do meu
corpo começando a sair, as moscas deixando suas larvas, as larvas se
alimentando do que foi uma casca para uma pessoa sem coração como eu.

Vocês
são carniceiros, adoram o cheiro acre da morte, gostam do gosto amargo da
infelicidade; e são cruéis, lutam por cada pedaço de território, passam por
todos que estão em seu caminho. Porém, vocês fazem isso por sobrevivência; no
meu caso foi por vício e prazer. Rendi-me a isso, caí nessa ilusão sem fim e
quem saiu lucrando foram vocês, que estão comendo cada parte do meu ser sem a
menor culpa. A cada mordida, bicada, sugada e rasgão, me sinto liberto. O que
eu não pude ter para outros, dou para vocês que necessitam da minha carne, dos
meus ossos, fluidos e sangue. Se eu não valia nada, esse corpo muito menos.
Estou me desapegando do ser vil que eu era para encontrar o caminho certo e
agir de maneira correta. Não digo adeus, digo até logo; por que nunca se sabe
se posso encontrá-los outra vez.
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